O ESTUDANTE ALSACIANO
Este poema veio ao meu encontro andava eu no 2º ano do Liceu (hoje 6º) pelas mãos de uma professora de Português que nos foi dar uma aula de substituição (onde é que eu já ouvi isto?).
Reencontrei-o hoje, por acaso, e convosco gostaria de o partilhar.
Se descontarmos algumas referências duvidosas de carácter pedagógico consensuais nesta época da Segunda Guerra Mundial, penso que continua muito actual, se nos dermos ao trabalho (rudimentar) de encontrar substitutos para germânicos e gauleses.
Antigamente, a escola era risonha e franca.
Do velho professor as cãs, a barba branca,
Infundiam respeito, impunham simpatia,
Modelando as feições do velho, que sorria
E era como criança em meio das crianças.
Como ao pombal correndo em bando as pombas mansas,
Corriam para a escola; e nem sequer assomo
De aversão ou desgosto, ao ir para ali como
Quem vai para uma festa. Ao começar o estudo,
Eles, sem um pesar, abandonavam tudo,
E submissos, joviais, nos bancos em fileiras,
Iam todos sentar-se em frente das carteiras,
Atenta, gravemente — uns pequeninos sábios.
Uma frase a animar aquele bando imbele,
Ia ensinando a este, ia emendando àquele,
De manso, com carinho e paternal amor.
Por fim, tudo mudou. Agora o professor,
Um grave pedagogo, é austero e conciso;
Nunca os lábios lhe abriu a sombra d’um sorriso
E aos pequenos mudou em calabouço a escola
Pobres aves, sem dó metidas na gaiola!
Lá dentro, hoje, o francês é língua morta e muda:
Unicamente o alemão ali se fala e estuda,
São alemães o mestre, os livros e a lição;
A Alsácia é alemã; o povo é alemão.
Como na própria pátria é triste ser proscrito!
Frequentava também a escola um rapazito
De severo perfil, enérgico, expressivo,
Pálido, magro, o olhar inteligente e vivo
— Mas de intima tristeza aquele olhar velado
Modesto no trajar, de luto carregado...
— Pela pátria talvez! — Doze anos só teria.
O mestre, d’uma vez, chamou-o à geografia:
— "Dize-me cá, rapaz... Que é isso? estás de luto?
Quem te morreu?"
— "Meu pai, no último reduto,
Em defesa da pátria!"
— "Ah! sim, bem sei, adiante...
Tu tens assim um ar de ser bom estudante.
Quais são as principais nações da Europa? Vá!"
— "As principais nações são... a França..."
— "Hein? que é lá?...
Com que então, a primeira a França! Bom começo!
De todas as nações, pateta, que eu conheço,
Aquela que mais vale, a que domina o mundo,
Nas grandes concepções e no saber profundo,
Em riqueza e esplendor, nas letras e nas artes,
Que leva o seu domínio ás mais remotas partes,
A mais nobre na paz, a mais forte na guerra,
D’onde irradia a ciencia a iluminar a terra,
A maior, a mais bela, a que das mais desdenha,
Fica-o sabendo tu, rapaz, é a Alemanha!"
Ele sorriu com ar desprezador e altivo,
A cabeça agitou n’um gesto negativo,
E tornou com voz firme:
— "A França é a primeira!"
O mestre, furioso, ergue-se da cadeira,
Bate o pé, e uma praga enérgica lhe escapa.
— "Sabes onde está a França? Aponta-m’a no mapa!"
O aluno ergue-se então, os olhos fulgurantes,
O rosto afogueado; e enquanto os estudantes
Olham cheios de assombro aquele destemido,
Ante o mestre, nervoso, audaz e comovido,
Tímido feito herói, pigmeu tornado atleta,
Desaperta, febril, a sua blusa preta,
E batendo no peito, impávida, a criança
Exclama:
— "É aqui dentro! aqui é que está a França!"
Acácio Antunes
Reencontrei-o hoje, por acaso, e convosco gostaria de o partilhar.
Se descontarmos algumas referências duvidosas de carácter pedagógico consensuais nesta época da Segunda Guerra Mundial, penso que continua muito actual, se nos dermos ao trabalho (rudimentar) de encontrar substitutos para germânicos e gauleses.
Antigamente, a escola era risonha e franca.
Do velho professor as cãs, a barba branca,
Infundiam respeito, impunham simpatia,
Modelando as feições do velho, que sorria
E era como criança em meio das crianças.
Como ao pombal correndo em bando as pombas mansas,
Corriam para a escola; e nem sequer assomo
De aversão ou desgosto, ao ir para ali como
Quem vai para uma festa. Ao começar o estudo,
Eles, sem um pesar, abandonavam tudo,
E submissos, joviais, nos bancos em fileiras,
Iam todos sentar-se em frente das carteiras,
Atenta, gravemente — uns pequeninos sábios.
Uma frase a animar aquele bando imbele,
Ia ensinando a este, ia emendando àquele,
De manso, com carinho e paternal amor.
Por fim, tudo mudou. Agora o professor,
Um grave pedagogo, é austero e conciso;
Nunca os lábios lhe abriu a sombra d’um sorriso
E aos pequenos mudou em calabouço a escola
Pobres aves, sem dó metidas na gaiola!
Lá dentro, hoje, o francês é língua morta e muda:
Unicamente o alemão ali se fala e estuda,
São alemães o mestre, os livros e a lição;
A Alsácia é alemã; o povo é alemão.
Como na própria pátria é triste ser proscrito!
Frequentava também a escola um rapazito
De severo perfil, enérgico, expressivo,
Pálido, magro, o olhar inteligente e vivo
— Mas de intima tristeza aquele olhar velado
Modesto no trajar, de luto carregado...
— Pela pátria talvez! — Doze anos só teria.
O mestre, d’uma vez, chamou-o à geografia:
— "Dize-me cá, rapaz... Que é isso? estás de luto?
Quem te morreu?"
— "Meu pai, no último reduto,
Em defesa da pátria!"
— "Ah! sim, bem sei, adiante...
Tu tens assim um ar de ser bom estudante.
Quais são as principais nações da Europa? Vá!"
— "As principais nações são... a França..."
— "Hein? que é lá?...
Com que então, a primeira a França! Bom começo!
De todas as nações, pateta, que eu conheço,
Aquela que mais vale, a que domina o mundo,
Nas grandes concepções e no saber profundo,
Em riqueza e esplendor, nas letras e nas artes,
Que leva o seu domínio ás mais remotas partes,
A mais nobre na paz, a mais forte na guerra,
D’onde irradia a ciencia a iluminar a terra,
A maior, a mais bela, a que das mais desdenha,
Fica-o sabendo tu, rapaz, é a Alemanha!"
Ele sorriu com ar desprezador e altivo,
A cabeça agitou n’um gesto negativo,
E tornou com voz firme:
— "A França é a primeira!"
O mestre, furioso, ergue-se da cadeira,
Bate o pé, e uma praga enérgica lhe escapa.
— "Sabes onde está a França? Aponta-m’a no mapa!"
O aluno ergue-se então, os olhos fulgurantes,
O rosto afogueado; e enquanto os estudantes
Olham cheios de assombro aquele destemido,
Ante o mestre, nervoso, audaz e comovido,
Tímido feito herói, pigmeu tornado atleta,
Desaperta, febril, a sua blusa preta,
E batendo no peito, impávida, a criança
Exclama:
— "É aqui dentro! aqui é que está a França!"
Acácio Antunes
6 Comments:
At 6:36 da tarde, MJ said…
Poema interessante... diferente :-)
Tem um bom fim-de-semana :-)
At 10:13 da tarde, Anónimo said…
conheci este poema no Rancho das Cantarinhas pela voz do Sr. Jorge Bracourt em 1980.ainda bem que há mais alguém que conhece e gosta deste belo hino de patriotismo
At 5:53 da tarde, Anónimo said…
Acácio Antunes é um babaca. A fFrança nunca foi nenhum exemplo de liberdade. É só verificar o que a França se permitiu na Indochina, na Algeria, e em outros paises africanos.
At 9:09 da tarde, Bi@ said…
Essa poesia me remete a minha infância! Minha irmã declamava com eloquência sem igual.Saudade...da minha infância, da minha irmã e da minha avó que era quem coordenava as boas horas de ouvir poesias quando estávamos reunidos... pena que tudo é tão efêmero!
At 1:56 da tarde, Nilson Carvalho said…
Quanta saudade! Minha mae o recitava quanto eu tinha 5 anos. Agora estou com 78! E minha mae ja o recitava quando menina, na escola. Antigamente a escola era risonha e franca... Hoje, quanta decadencia. É histórico... As grandes cicilizaçoes gregas e agipcias. A Idade média, idade das trevas... O renascimento...nova decadencia. Aguardamos novos seres iluminados, para reverterem essa situaçao.
At 12:14 da manhã, Anónimo said…
Quem conhece um outro poema também relacionado com a 1ª grande guerra que começa: Na pobre Alsácia/Juntinho à fronteira/Por brincadeira/uns petizinhos..........?
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