Da primeira guardo infelizes recordações das longas procissões, vestido de anjo, de padre, de bispo, de cruzado, com os alfinetes a enterrarem-se nas alvas carnes.
As vindimas obrigavam-nos a ir no sábado logo pela manhã. O que mais me atraía era a pisa das uvas no lagar de pedra, em calções, rodeado de homens de calças arregaçadas e pernas ensanguentadas e o escorrer do primeiro líquido etilizado para gáudio do meu tio Manuel que o dava a provar aos circunstantes. O jantar era diferente. A mesa era pequena para tantos pratos, os uropígios demasiados para tão poucos bancos, só a comida estava à medida daquelas bocas famintas.
Saciada a fome aos presentes, partíamos para outras matanças em direcção aos poços existentes nos terrenos onde os pardais dormiam o seu sono de morte. Colocava-se uma rede a tapar a boca do poço, atirava-se uma pedra lá para baixo e os infelizes, que tinham escolhido o abrigo errado, esvoaçavam atarantados até se enforcarem nas malhas que o seu próprio destino lhes havia tecido. Aos mais resistentes torcia-se-lhes o pescoço… Hitchcock não faria melhor.
O Vouga, no Murçainho, tomava o sinuoso caminho do Rio Velho até desaguar na antiga Foz, no chamado Bico da Murtosa. Em épocas de grandes cheias, que as houve antes da abertura da nova Barra de Aveiro, o Rio Velho não tinha cava suficiente para dar rápida vazão às grandes enxurradas vindas da serra e dos rios que afluíam ao Vouga na última etapa. A Barra, por seu lado, obrigava a encerramentos temporários da Ria, com a natural e consequente retenção de lixos e putrefacção das águas morosamente acumuladas, o que originava, cíclica e esporadicamente, epidemias que desbastavam as populações ribeirinhas.
Ignorante destas obras de engenharia, percorri inúmeras vezes aquelas águas transparentes que deixavam ver as areias do fundo, os robalos e as tainhas, sentado nas tábuas das bateiras, que assim chamavam, e chamam ainda naqueles lugares, aos pequenos barcos afilados que serviam para galgar o rio.
Hoje, à conta da fábrica da celulose a água negra não deixa ver o fundo, os peixes mortos nadam ao sabor da corrente e os eucaliptos começam a tombar sobre a água à conta da erosão das margens. ................................................................................................................
RESPOSTA 16 : Tia Inês
PERGUNTA 17: O padre da foto celebrava missa em que freguesia ?
6 Comments:
At 11:31 da tarde, Anónimo said…
MAS QUE GRANDE VOCAÇÃO QUE SE PERDEU... NAS MALHAS QUE O IMPÉRIO TECEU!!!
O ANJINHO NÃO PERDIA UMA PROCISSÃO, TÁ VISTO!!
O PADRE CELEBRAVA NA FREGUESIA DA CAMPANHÃ...
BEIJO SAGRADO*
At 10:10 da tarde, MJ said…
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At 10:11 da tarde, MJ said…
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At 10:48 da manhã, MJ said…
Bom dia, doce Alquimista :-)
Obrigada por teres apagado os comentários anteriores, tal como te havia pedido. :-) Não sei por que razão não me foi possível apagá-los! Não tens trash bin? Hás-de arranjar um. :-))
Pois bem... vamos lá ver se este me sai sem os lapsos do de ontem. :-)
Como dizia, à medida que os capítulos avançam, a tua "escrita" torna-se mais perfeita, mais literária, mantendo, contudo, uma "leveza" muito, muito agradável.
Prepara-te para seres o próximo galardoado com o Prémio Nobel.
Ah! E se um dia, por um milagre qualquer, eu vier a ser famosa, serás o escritor oficial das minhas "Memórias". :-))
Beijo memorável*
(hoje vou fazer o preview:-))
At 7:18 da tarde, alquimista said…
beata (ou será "perisca"?)
do beato:
A vocação não se perdeu, continua cá e ainda não perdi a esperança...
At 7:38 da tarde, alquimista said…
Olá João:
Obrigado pelos elogios, mas não abuses :))) pois corres o risco de um dia os levar a sério e então tereis de "levar" não só com as "Memórias" mas também com as "Perspectivas"...:)
Quanto ao "trash bin" estou à espera que o médico de família me passe a receita para ir à farmácia ...
Beijo "crash"
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