O alquimista

NEM TRANSMUTAÇÃO DE METAIS NEM ELIXIR DA LONGA VIDA - A PEDRA FILOSOFAL AO PODER

sexta-feira, março 07, 2008


DIA DA MULHER - Para sossego das más consciências...


Dão-nos a honra de manequim

para dar corda à nossa ausência.

Dão-nos um prémio de ser assim

sem pecado e sem inocência

(…)

Penteiam-nos os crânios ermos

com as cabeleiras das avós

para jamais nos parecermos

connosco quando estamos sós

(…)

Dão-nos um cravo preso à cabeça

e uma cabeça presa à cintura

para que o corpo não pareça

a forma da alma que o procura

Natália Correia – Queixa das almas jovens censuradas



Mulheres na Rua S.Francisco de Borja – Porto 1930



Foi há tantos anos, foi há dois mil anos

Que vi no amor o meu Cristo

Que me mostraste um amor imprevisto

Que me falaste na pele e no corpo a sorrir



Meus olhos fechados, mudos, espantados

Te ouviram como se apagasses

A luz do dia ou a luta de classes

Meus olhos verdes ceguinhos de todo para te servir



Mariazinha fui, em Marta me tornei

Vou daquilo que fui pr'aquilo que serei



Filhos e cadilhos, panelas e fundilhos

Meteste as minhas mãos à obra

E encontraste momentos de sobra

Para evitar que o meu corpo pensasse na vida


Teus olhos fechados, mudos e cansados

Não viam se verso, se prosa

O meu suor era o teu mar de rosas

Meus olhos verdes, janelas de vida fechados por ti


Mariazinha fui, em Marta me tornei

Vou daquilo que fui pr'aquilo que serei


Pegas-me na mão e falas do patrão

Que te paga um salário de fome

O teu patrão que te rouba o que come

Falas contigo sozinho para desabafar


Meus olhos parados, mudos e cansados

Não podem ouvir o que dizes

E fico à espera que me socializes

Meus olhos verdes, Boneca privada do teu bem estar


Mariazinha fui, em Marta me tornei

Vou daquilo que fui pr'aquilo que serei


Sou tua criada boa e dedicada

Na praça, na casa e na cama

Tu só me vês quando vestes pijama

Mas não me ouves se digo que quero existir


Meus olhos cansados ficam acordados

De noite chorando esta sorte

De ser escrava prá vida e prá morte

Meus olhos verdes Vermelhos de raiva para te servir


A tua vontade, justiça igualdade

Não chega aqui dentro de casa

Eu só te sirvo para a maré vaza

Mas eu já sinto a minha maré cheia a subir


Meus olhos cansados abrem-se espantados

Prá vida de que me falavas

Pra combater contra os donos de escravas

Meus olhos verdes

Que te vão falar e que tu vais ouvir


Mariazinha fui, em Marta me tornei

Sei aquilo que fui e que jamais serei

José Mário Branco - Aqui dentro de casa (Do álbum "Margem de Certa Maneira")