MEMÓRIAS DE CROCODILO
CAPÍTULO 16
Chegados a Vilarinho, no tempo quente, corria para a bilha de barro a refrescar a garganta que a minha tia Inês tinha providenciado na Fonte da Torre. De Inverno, o naco de rojão tirado do pingue era passado na sertã e metido no pão que viera da padaria e que servia para a minha Avó Rosa, o Francisco e a Alice, os caseiros, comerem durante a semana. Esta avó, despiciendo será referi-lo, era-o pelo lado do meu pai, que a do outro se chamava Adelaide como já vimos. Quando chegávamos, estava invariavelmente sentada na sua cadeira de braços junto à lareira, lenço preto na cabeça e xaile a envolver a roupa de viúva. Ao dar-lhe um beijo, segurava-me com força num dos braços e perguntava: “O teu pai veio?” – “Não, não veio”, respondia eu. Ele nunca ía. E todos os domingos pergunta e resposta se gladiavam na expectativa de uma delas ceder. Era o seu filho preferido, soube-o bastante mais tarde. E fui eu, já adulto que o levei novamente à aldeia, já a minha avó tinha morrido. Nunca percebi a razão desta recusa.
Parte da manhã era gasta a jogar futebol com a bola que precavidamente levara do Porto. Ao almoço, comiam-se os bifes comprados em Estarreja no talho do senhor José, a carne de porco tirada da salgadeira, a sopa de entulho feita sabiamente pela Alice, sei lá que mais. Tudo servido naquela louça inglesa esverdeada, com figuras de castelos, guerreiros a cavalo e princesas que me encantavam, aqueles e estes, que não só estas. Á tarde era a visita às propriedades, a parte menos interessante pelo que, sempre que podia, ficava em casa na expectativa de dar uma volta na bicicleta do Francisco ou de me sentar ao volante do Vauxhall a apreciar o novelo de galinhas em estrídula revoada ao toque da buzina e a ouvir o relato do Porto enquanto conduzia pelas estradas da imaginação.
Recordo-me de uma e outra vez beber o leite esguichado do úbere da vaca e as gemas dos ovos sabiamente furados nas extremidades. Experiências de vida, fruto da minha curiosidade natural ou da premonição familiar quanto aos futuros mecanismos da distribuição alimentar escamoteadores da prolixa proveniência dos mesmos.
Ao fim da tarde era o regresso. Um ou dois ovos estrelados dentro do pão, mais um rojão ou um prato de sopa e de volta ao Porto, que um dia repleto de emoções, não diria fortes mas diferentes, me transportava nos braços de Morfeu, que não da morfina, pois só àquele eram cometidas as interpretações do templo dos sonhos e a esta apenas o tratamento opióide das dores que não as tinha, ainda, nesse tempo.
Parte da manhã era gasta a jogar futebol com a bola que precavidamente levara do Porto. Ao almoço, comiam-se os bifes comprados em Estarreja no talho do senhor José, a carne de porco tirada da salgadeira, a sopa de entulho feita sabiamente pela Alice, sei lá que mais. Tudo servido naquela louça inglesa esverdeada, com figuras de castelos, guerreiros a cavalo e princesas que me encantavam, aqueles e estes, que não só estas. Á tarde era a visita às propriedades, a parte menos interessante pelo que, sempre que podia, ficava em casa na expectativa de dar uma volta na bicicleta do Francisco ou de me sentar ao volante do Vauxhall a apreciar o novelo de galinhas em estrídula revoada ao toque da buzina e a ouvir o relato do Porto enquanto conduzia pelas estradas da imaginação.
Recordo-me de uma e outra vez beber o leite esguichado do úbere da vaca e as gemas dos ovos sabiamente furados nas extremidades. Experiências de vida, fruto da minha curiosidade natural ou da premonição familiar quanto aos futuros mecanismos da distribuição alimentar escamoteadores da prolixa proveniência dos mesmos.
Ao fim da tarde era o regresso. Um ou dois ovos estrelados dentro do pão, mais um rojão ou um prato de sopa e de volta ao Porto, que um dia repleto de emoções, não diria fortes mas diferentes, me transportava nos braços de Morfeu, que não da morfina, pois só àquele eram cometidas as interpretações do templo dos sonhos e a esta apenas o tratamento opióide das dores que não as tinha, ainda, nesse tempo.
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RESPOSTA 15 : Rio Vouga
PERGUNTA 16 : De quem é a primeira foto ?
2 Comments:
At 11:05 da manhã, MJ said…
Bom dia, doce Alquimista :-)
Neste episódio comoveu-me (por também ser mãe)a pergunta que a tua avó fazia sempre sobre a presença do teu pai. :-( Imaginei a mágoa que sentiria por não o ver, sempre que vocês chegavam. Enfim... o meu coraçãozito de mãe não fica indiferente a estes pormenores.
Quem está na foto é a avó Rosa, certo?
Beijo grande*
At 5:50 da tarde, Anónimo said…
ALLO CARO ALQUI
FINALMENTE PUS EM DIA ESTAS SUAS REPTILIANAS - MAS NUNCA RASTEJANTES - MEMÓRIAS...
TB TENHO, Ao COMTRARIO DA NOSSA CONFRADE MJ, MUITAS MEMORIAS DE FERIAS PASSADAS NUMA PEQIENA ALDEIA PERTO DO REDONDO NO ALENTEJO, PARA ONDE MINHA TIA FOI VIVER QD CASOU.
AINDA ASSIM E TAO MAIS A SUL, MUITA COISA EM COMUM COM AS AQUI DECRITAS..,
DA VACA NAO BEBI LEITE DIRECTAMENTE, MAS DE UM +PUCARO ACABADO DE ENCHER DO UBERE... QUE LA SE DIZIA TETA!
TB PAPAVA MUITOS OVOS CRUS MAS EM GEMADINHAS, COM AÇUCAR... HMMMM ERAM DELICIOSAS...
ALIAS UMA DAS MINHA TAREFAS DE MENINA CITADINA NA ALDEIA ERA IR RECOLHER OS OVOS DO DIA ALGUNS EM SITIOS ESCONSOS COMO EM CIMA DE FARDOS DE PALHA, AOS QUAIS TREPAVA, POIS A GALINHAGEM DURANTE O DIA ANDAVA A SOLTA.
DURANTE MUITOS ANOS AI DESDE OS MEUS 7 AOS 19, 20 UM MES ERA SEMPRE PASSADO NA ALDEIA.
DEPOIS MTA COISA MUDOU. A MORTE PREMATURA DE MEU TIO, AOS 53 ANSO DE ENFARTE, E A MUDANÇA DE MINHA TIA P EVORA.
TB ASSISTI A MATANÇAS DO PORCO, OU SEJA NAO ASSISTI Q NAO IA PARA PERTO Q ME HORRORRIZAVA ESSA DESGRAÇA, MAS OUVIA SE TUDO DO QUINTAL... TINHA DE SER... ERA A BASE DA ALIMENTAÇAO, COMO SE SABE, NO MEIO RURAL.
QTO A MATANÇAS NAO ERAM TODOS OS DIAS, CLARO, MAS ERAM DE TUDO - GALINHAS, COELHOS, CARNEIROS, ETC... ERAM SEMPRE DIAS EM Q RARO ERA EU NAO CHORAR.
MAS FORAM AS MELHORES FERIAS DE TODOS OS TEMPOS... TALVEZ NEM IGUALADAS PELAS DA PRAIA...
BEIJO ALDEÃO.
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