MEMÓRIAS DE CROCODILO
CAPÍTULO 10
A avó Adelaide era-o pelo lado da filha e morava duas casas abaixo da Rosarinho num condomínio fechado pós-industrialização, de habitações com uma a duas assoalhadas mais cozinha e vão de telhado para sub-alugar, com anexo para as precisões no exterior. Alinhavam-se de um e de outro lado normalmente nas traseiras de habitações da média burguesia do início do século XX, e a elas se acedia da rua por uma entrada estreita com um portão que apenas se fechava à noite. “Ilhas” se chamavam e foram tidas como a primeira grande experiência de vida comunitária urbana. A segunda, foram os “prédios” também conhecidas por ilhas ao alto.
Era com um misto de timidez e deslumbramento que abria o portão de ferro pintado de verde e, protegido do sol por uma imensa videira, percorria a calçada até à casa número cinco. Lembro-me que tinha uma pia à entrada que ainda lá estava recentemente, e a porta podia ser aberta por fora através de uma abertura existente na mesma que nos permitia meter a mão e chegar ao fecho que se encontrava por dentro. Nessa altura ainda se dizia, como nas aldeias, - Entre, quem é?
Foi daqui que a minha mãe conheceu o meu pai, ou, para ser mais preciso, que a Celeste conheceu o António, nas suas idas diárias à padaria para levar o pão, até ao dia em que o levou a ele.Ali passei muitas tardes a ver televisão, num televisor comprado em segunda mão ao capitão Castro, vizinho dos meus pais no andar da Rua da Alegria, uma das tais ilhas ao alto. Foi a um canto da sala que em 1966 vibrei com os cinco a três à Coreia do Norte no Mundial de Inglaterra e nove anos mais tarde sofri com a sua morte no quarto ao lado.
Era com um misto de timidez e deslumbramento que abria o portão de ferro pintado de verde e, protegido do sol por uma imensa videira, percorria a calçada até à casa número cinco. Lembro-me que tinha uma pia à entrada que ainda lá estava recentemente, e a porta podia ser aberta por fora através de uma abertura existente na mesma que nos permitia meter a mão e chegar ao fecho que se encontrava por dentro. Nessa altura ainda se dizia, como nas aldeias, - Entre, quem é?
Foi daqui que a minha mãe conheceu o meu pai, ou, para ser mais preciso, que a Celeste conheceu o António, nas suas idas diárias à padaria para levar o pão, até ao dia em que o levou a ele.Ali passei muitas tardes a ver televisão, num televisor comprado em segunda mão ao capitão Castro, vizinho dos meus pais no andar da Rua da Alegria, uma das tais ilhas ao alto. Foi a um canto da sala que em 1966 vibrei com os cinco a três à Coreia do Norte no Mundial de Inglaterra e nove anos mais tarde sofri com a sua morte no quarto ao lado.
Pela sua mão conheci nos finais de cinquenta António Pedro, na altura encenador do Teatro Experimental do Porto que o era na verdade pela peças arrojadas que levava à cena, e do qual guardo a ténue recordação de homem altivo e voz possante, dialogante quando se tratava de convencer os senhores da censura a deixar passar algumas das partes mais subversivas do texto e mesmo agora me assaltou a dúvida se a imagem que dele guardo é a que a minha memória registou ao vivo, se aquela que nos era mostrada pela televisão nos seus programas semanais sobre teatro ou ainda, o mais provável, uma mistura de ambas. Recordo-me de muitas peças que vi sentado logo ali na primeira fila, onde os actores me pareciam ainda maiores do que os meus olhos pareciam ver da minha altura de menino.
Mas não se pense que a Bólaida fazia parte do elenco deste teatro, tudo gente da intelectualidade portuense e não só, (onde conheci pessoas como, Alda Rodrigues, Júlio Cardoso, António Reis, Estrela Novais, João Guedes, Maria Emília Correia, Júlio Couto e vi peças como Abelha na Chuva, Macbeth, Antígona, As Filhas de Bernarda Alba), porque assim o impedia a sua iliteracia de mulher vinda de Constance, uma freguesia do Marco de Canaveses, berço igualmente de uma outra mulher essa mais famosa de seu nome verdadeiro Maria do Carmo, mas por Cármen Miranda conhecida. A minha avó era uma humilde chefe costureira, profissão que já exercia na aldeia e que acumulava agora em casa juntamente com o Teatro, (que na altura as Finanças não tinham computadores e muito menos cruzavam dados), para fazer frente às despesas da vida citadina, sozinha, porque, tal como a D. Laurinha, havia ficado órfã de marido cedo de mais, se pensarmos, como todos pensávamos na altura que, quando uma mulher se casa, o faz para toda a vida.
FOTO DE 1973
No sol posto, já reformada por doença, todos os meses me dirigia ao Teatro, ali na Travessa de Passos Manuel em frente ao restaurante Abadia, já não para me sentar na primeira fila, mas para, na fila da tesouraria, aguardar pelo envelope do vencimento.
Até ao baixar do pano.
(continua)
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RESPOSTA 9: Rua de Santo António
PERGUNTA 10: Quem é a figura da foto a preto, branco e tons de cinzento ?
6 Comments:
At 1:18 da manhã, Anónimo said…
OLA ALQ
AGORA NAO POSSO LER ESTA.
SO PRAVISAR Q DEIXEI TESTEMUNHO LA EM BAIXO NO CTK1AA...
BJOS EM ONDA CURTA...
At 10:41 da manhã, alquimista said…
Olá Aspásia:
Obrigado pelas palavras que deixou lá atrás sobre a história e que de maneira nenhuma me são devidas. À leitura do Miguel Guilherme sim, que achei espectacular. Aliás, fiquei de "olho" nele desde o "Non, Vã Glória de Mandar" do Manuel de Oliveira...
Um bj de gratidão e ficamos à espera da sua!!!
At 11:34 da manhã, MJ said…
Bom dia, doce Alquimista :-)
Já uma vez te disse e volto, agora, a dizer. Para além do prazer da leitura desta tua biografia (esceves muito bem!), há todo o prazer de um reavivar das minhas próprias memórias que julgava eternamente perdidas no tempo.
Lembrava-me lá eu que tinha conhecido uma "ilha"!
Neste momento, uma catadupa de recoradações e emoções invadiu-me o coração.:-)
Revivi as visitas que fazia com a minha queridíssima tia Helena, a um casal que vivia numa dessas ilhas. Lembro-me nitidamente do que senti quando, pela 1ª vez, lá entrei...
Uma lágrima marota caiu, agora, ao recordar a aquela que foi a minha 2ª mãe :-(
Obrigada por me trazeres de volta os lugares e as pessoas do meu passado.
Beijo emocionado*
At 11:35 da manhã, MJ said…
Ah! A resposta! É o Antónuo Pedro... :-)
At 2:26 da tarde, ASPÁSIA said…
CARO ALQUI
A MINHA HISTORIA DEVIDA ESTÁ AQUI
E DEDICADA AO PORTO!!!
OS NOVOS ALUNOS DESTE ANO LECTIVO NÃO FREQUENTARAM O JARDIM DE ASPÁSIA DESDE O PRINCÍPIO...
BJS APRESSAODS
A VER SE LOGO LEIO ESTE CAP.
At 8:58 da tarde, ASPÁSIA said…
COMO VAI LONGE O TEMPO EM QUE A TERNURA DOS NOSSOS AVÓS ESTAVA CONNOSCO...
MAIS UM CAPITULO SENTIDAMENTE (D)ESCRITO.
PARABÉNS.
A RESPOSTA CONFESSO Q NÃO SABIA.
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