CAPÍTULO 18
Tinha passado vários anos a trabalhar em França na década de quarenta. Entretinha-me com aquelas palavras de que não conhecia o significado quando, sentados no fundo da escada de pedra da Casa do Sarrado, voltados para a eira debulhávamos as maçarocas. Apreciava-lhe os pés gretados calcando a terra, as calças sempre arregaçadas, a camisa às riscas aberta até ao umbigo e o bigode fino mas cerrado. Assim era o meu tio avô Barbosa que tinha, de vez em quando, a hilariante qualidade de, sonoramente, se libertar daquele excesso de azoto que lhe comprimia as entranhas, no que era, a espaços, (que às senhoras estavam proibidos esses desconchavos, às da cidade pelo menos, que às da aldeia pelos vistos nem por isso), acompanhado pela tia Emília. Com tamanha festa, não admira que esperasse ansioso pelo Setembro para rumar até Constance, que, como vimos atrás, fora o berço de duas grandes mulheres, uma que me deu à luz e teve alta, a outra que vivia nas luzes da ribalta.
Era o baloiço na ramada, a varanda por cima do curral, a horta com as couves que ajudava a regar, a cozinha onde a grande pedra da lareira ocupava lugar de destaque com os potes de três pés (num deles havia sopa quente sempre pronta a servir), o forno com a bosta a vedar a entrada (os assados ficavam melhor, dizia a minha tia) e as noites, as noites mal dormidas, que o tempo era pouco para tanta felicidade. E havia os cheiros, seguia-os rafeiramente pelos cantos da casa, a fumo na cozinha, a madeira velha no corredor e nos quartos, deixando que me invadissem as pituitárias.
Certo dia andava eu de patins na íngreme estrada alcatroada que atravessava a aldeia quando dou conta que já não consigo controlar a velocidade que tomara e que me aproximo velozmente de uma curva. Valeu a destreza do meu pai, que, fazendo das suas habituais fraquezas forças, se lançou em meu auxílio e obikwelamente me agarrou lançando-me ao chão, para todos os efeitos coisa de pequena monta para quem estava prestes a atirar-se por um abismo.
Numa dessas tardes quentes de Verão, juntamente com o Germano, que morava na casa ao lado dos meus tios e vestia sempre de preto, descobri em Vila Boa de Quires, uma aldeia próxima, aquilo que pensava serem as ruínas de uma antiga casa senhorial mas que a minha tia contava como sendo a casa do Fidalgo de Vila Boa, o qual, emigrado no Brasil no início do século como muitos outros da terra em busca do pão que ali minguava, lhe acabara o dinheiro para aquilo que havia começado, ali ficando aquele esqueleto de pedra, por entre silvados e ervas daninhas, quem sabe se daqui a algumas dezenas de anos convertido em monumento nacional com subsídios do IPPAR ou de outro qualquer instituto com qualquer outro nome mas com as mesmas preocupações preservativas.
Mais acima, em Castelães, próximo da estrada que nos trazia do Porto, estavam as verdadeiras ruínas da casa onde nasceu o Zé do Telhado, (e não aquela outra para turista ver na estrada nacional perto de Paredes) também conhecido pelo Carvalhosa e pelo Robim dos Bosques português mas José Teixeira da Silva de nascimento que, por via dos seus dotes de salteador dando aos pobres o que tirava aos ricos, foi colega de Camilo na Cadeia da Relação do Porto.
5 Comments:
At 5:33 da tarde, MJ said…
Doce Alquimista:-)
Perdoa a minha ausência... O tempo livre tem sido escasso. Muito trabalho a nível profissional, muitas emoções (e ocupações!!) a nível familiar, enfim... uma roller coaster interminável... mas muito boa :-))
Ainda não vai ser hoje que vou ler este capítulo. Vou guardar a sua leitura para o fim-de-semana.
Sou fã incondicional das tuas memórias e quero saborear, pausadamente cada palavra...
Um beijo grande*
At 11:46 da tarde, Anónimo said…
OLA ALQUI
TB- QUERO LER ISTO, ATE +PQ TB SOU ALGO REPTILIANA - EU JA SALVEI 2 OSGAS! - MAS HOJE ESTOU COM OS OLHOS (PALPEBRAS) MUITO INFLKAMADOS... APANHEI CALOR ONTEM,,, É UMA CHATICE.
OUVI DIZER QUE POR AI AGORA HÁ NEVE! FAZIA ME JEITO PQ O FRIO E ANTI INFLAMATÓRIO...
BOM DOMINGO
BJOS E ATE AO MEU REGRESSO...
At 8:43 da tarde, MJ said…
Doce Alquimista :-)
Magníficas as descrições que aqui fazes. :-)
Impossível não experimentar as sensações olfactivas... o aroma da sopa fumegante, o cheiro apetitoso do assado e o peculiar odor das madeiras antigas... (já para não falar de outros de proveniência "duvidosa" a que te referes na 1ª parte :-))
Adorei o neologismo "obikwelamente" :-)))
Beijo perfumado*
At 10:30 da tarde, alquimista said…
Acetilsalicilica:
Aguarde, então, por novas dosagens.
Boa semana
At 10:48 da tarde, alquimista said…
Olá João:
Com certeza que são sensações que todos nós experimentamos, de uma ou de outra forma, na nossa infância.
E que nos acompanham ao longo da vida, sempre !
Beijo bem cheiroso
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