CAPÍTULO 5
Felizmente que não sou do tempo dos infantários mas da infância. Fica por vezes a dúvida se as recordações dos acontecimentos são realmente nossas ou se deles tivemos notícia por entrepostas pessoas que no-las contaram mais tarde como tendo sido nós os seus actores. Não é o caso da minha primeira escola, que hoje se chamaria jardim infantil ou pré-primária, vocábulos que existindo já nesse tempo e em outros ainda mais recuados como no dos romanos a fazer fé nos livros de linguística, apenas faziam sentido quando escritos isoladamente e não emparelhados ou unidos pelo hífen.
A sua memória, e aqui a conotação epitáfia faria todo o sentido, é realmente minha. Ficava paredes meias, para ser mais preciso a muros meias com a casa dos meus dois tios, irmãos do meu pai. O Manuel, o patriarca, que era sócio de uma fábrica de sedas na Circunvalação, pai aos dezoito anos de uma filha que só acolheria com a mesma idade, solteiro mas praticante com a ajuda das distribuidoras de pão ao domicílio, vulgo padeiras da Parisiense de que os três irmãos eram sócios. O do meio, o Agostinho, que por ser o mais gordo era também o mais bonacheirão, igualmente solteiro e praticante, à frente da padaria com o António, o mais novo dos três, igualmente praticante mas com a minha mãe, que praticava costura com a minha avó.
Na casa dos meus tios passava grandes temporadas, provavelmente devido às crises nervosas frequentes de que padecia o meu progenitor, tratadas ora a comprimidos ora a benzeduras e defumadouros, atribuídas, viria eu a saber mais tarde, a um negócio falhado com um irmão da minha mãe e meu tio, portanto. Estará certamente o leitor a pensar que bastaria ao narrador ter escrito apenas uma única palavra, cunhado, e o parentesco logo ali ficaria esclarecido. Visão economicista a sua, que não a minha, pois, nesta fase ainda fetal, eu diria mesmo zigótica da narrativa, não tenho como certo que possua matéria prima suficiente que permita alimentar esta criança até final. Mas prossigamos.
O dito muro de que falava atrás separava o que na altura era vulgar nas habitações de pequena e média burguesia, ou seja, os quintais existentes nas traseiras onde cresciam as árvores de fruto nos canteiros, as galinhas na capoeira e os porcos no curral. Era por cima dele, o muro, que me passava a Gia (diminutivo de Luzia, antiga padeira promovida a empregada da casa e do meu tio nas horas de vazio), ou a minha prima e madrinha Lurdes (Lourdes como gostava de escrever, a dita filha do meu tio Manuel), de um para o outro lado, da casa para a escola e da escola para casa conforme crescia ou definhava em mim a vontade de brincar.
Porque era essa a vontade que me impelia a saltar o muro ao encontro daqueles outros meninos de bata branca que na casa o único menino era eu e único continuaria. Esta casa aparentada de escola era gerida pela D. Laurinha, a professora, por uma irmã da qual esqueci o nome pelo menos por agora que o mais certo é ele surgir quando desta escola já não estiver falando, e por duas filhas da primeira em part-time que este mester não era futuro garantido para duas jovens cujo pai partira para o Brasil e dele nunca mais ouviriam falar. A mais velha, a Livinhas, diminutivo de Olívia, viria mais tarde a dar-me explicações e poema à canção Sol de Inverno com que a Simone de Oliveira ganhou um Festival da Canção. A mais nova, a Dódó, diminutivo de Maria das Dores, era enfermeira.
6 Comments:
At 12:53 da manhã, Anónimo said…
AMIGO ALQUI
ABSOLUTA FALTA DE TEMPO...MUITAS TAREFAS NA "VIDA REAL"... A VISITA DE MINHA TIA QUE ME VEIO DAR ALGUM APOIO A MIM E MEU PAI....
TEREI DE GUARDAR A LEITURA DESTAS PEROLAS PARA MAIS TARDE, COM MUITA PENA.~
MAS SÓ PARA VER AS FOTOS DO ALQUIMISTINHA PASSO UNS MOMENTOS E FICO SEMPRE ENCANTADA!!!
NESTA FOTO É O Nº 1... JÁ O COMHEÇO À LÉGUA... (POSSO RESPONDER MESMO SEMGTER LIDO O CAPITULO??)
BJS PENALIZADOS POR NAO TER LIDO OS CAPITULOS TODOS...
At 11:13 da manhã, Anónimo said…
Outra memória muito bem descrita...
Parabéns!
E..cá para mim é o nr.4!
Beijinho e bom fim de semana
M.Dores
At 11:15 da manhã, MJ said…
Bom dia, doce Alquimista:-)
Presumo que o tio Agostinho fosse o teu padrinho de baptismo, certo? :-))
Esses muros... sei perfeitamente como são...
A Livinha... Ai a Livinha! :-)))
Eu não disse que os "pecados" iam continuar? A GULA!!!!
O Alqimistazinho é o nº 1! Certo?
Beijo certeiro*
At 10:57 da manhã, alquimista said…
Aspásia:
Obrigado por me continuar a visitar apesar de toda essa vida atribulada
Bjs
At 11:00 da manhã, alquimista said…
João:
É verdade, o Agostinho era padrinho. Já faleceu. Era muitíssimo meu amigo.
Quanto à Livinhas, bom, essa era bastante mais velha do que eu convenhamos, mente preversa...:)
Beijo recatado
At 11:01 da manhã, alquimista said…
Maria das Dores:
Obrigado. Penso que se enganou na resposta. Veja no próximo capítulo :)
Bjinho
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