A JAULA
Se, por qualquer motivo, o dito bicho se sentia incomodado por algum dos circunstantes, era vê-lo arremessar sem qualquer rebuço, aquilo que por perto encontrasse o que, num reduzido espaço que nada se assemelhava ao seu natural habitat, normalmente se traduzia no resultado do símio metabolismo. Era, então, a debandada geral e passava a ser o Leão, vizinho de ocasião, o objecto da atenção. Quase sempre em hibernação, sem jornal ou televisão, nem fêmea ali à mão, estendia-se ao comprido, abrindo um ou outro olho quando algum insecto mais inconveniente lhe pousava nas sobrancelhas. Era nesses momentos que nós o sabíamos vivo. Após várias e infrutíferas tentativas de real comunicação, abandonavamos o local e assim inexoravelmente uma e outra semana, mês após mês, ano após ano até ao dia em que as jaulas ficaram vazias.
Longos anos passados, em que esses momentos já tinham sido encaixotados naquilo a que gostamos de chamar, saudosamente, imaginário infantil, pude reviver essas emoções que a passagem do tempo apenas tinha deixado adormecidas. Graças a uma outra jaula, posso agora deleitar-me no sofá, imúne às intempéries e sem pagar bilhete, com as deambulações de uma fauna luxuosamente enjaulada, com as cabeças transbordantemente vazias, acasalando, alimentando-se e alimentando o voyeurismo tuga, transformando a futilidade de um quotidiano cheio de nada em abundantes crises existênciais. Tudo meticulosamente osquestrado, sob a batuta de uma alienígena cruzada de sirene de bombeiros com perissodáctilo em formato apresentadora.
O Xico e o Leão, estejam eles onde estiverem, ficariam certamente muito satisfeitos se soubessem que, passados todos estes anos, a sua triste clausura se tinha tornado num alegre modus vivendi de uma certa família Hominoidea.