MEMÓRIAS DE CROCODILO

CAPÍTULO 11
Defronte do jardim da Praça Rainha D. Amélia existe ainda hoje a Irmandade de S.Crispim e S.Crispiniano em cuja capela ajudei muitas vezes à missa o senhor Reitor, que assim gostava que o chamassem, o padre Matos. Eram aqueles santos, estrategicamente colocados ao lado e acima do altar-mor, ao que apurei depois (que dos santos queremos nós saber primeiro o que podem fazer por nós e só mais tarde o que vamos fazer com eles) oragos dos sapateiros.
Esta incumbência divina (que oráculo de onde o termo provem, se não lhe quisermos chamar padroeiro, era a resposta de Deus a quem o consultava) de proteger aqueles que tinham por missão aconchegar-nos as bases, tem por base uma lenda que nos relata andarem aqueles dois irmãos na noite de vinte e quatro de Dezembro à procura de um lugar onde dormir sem que ninguém lhes desse abrigo quando os acolheu uma viúva que vivia miseravelmente com o seu filho. Contentes, os dois irmãos, que eram sapateiros, pediram a Deus que recompensasse aquela generosa viúva. Crispim, vendo a um canto da sala um par de socos velhos pertença do rapazinho fez deles um par novo e colocou-os à beira da pedra da lareira, enquanto a viúva e o filho dormiam. Quando estes acordaram repararam que os dois hóspedes tinham desaparecido e que na lareira estava um par de socos novos cheios de moedas de ouro.

Qual o interesse desta lenda para o desenrolar da história, estará neste momento a perguntar o leitor mais exigente ou o mais apressado, por pretender, o primeiro, aquilatar dos méritos ou dos deméritos do autor ao abraçar obra de tamanho vulto, ou o segundo, para chegar célere ao fim da mesma a tempo de a desaconselhar aos amigos no próximo fim de semana?
Tão somente natural curiosidade que convosco quis partilhar, e se esta justificação não acham convincente sempre vos lembrarei que não só de radiações infravermelhas, de brilho e de cor é feita a luz, mas outrossim de discussão e perspicácia.
Por baixo da capela existia um salão onde, por altura da Páscoa e do Natal se representavam peças de teatro daquelas a puxar ao sentimento ou à gargalhada desabrida, e em que eu, não sei se pela minha convivência com as gentes do teatro se por presunção de um talento que nunca viria a ser reconhecido, (não o tinha, sei-o eu agora) por várias vezes cheirei o pó do palco.

Recordo-me que o meu primeiro papel, teria eu os meus sete ou oito anos, foi o de Espírito Mau (assim mesmo, nem Espírito Santo nem Lobo Mau) e passei toda a peça, num só acto, acocorado debaixo de uma mesa de pé de galo, coberta por uma toalha branca até ao chão à espera do momento em que o bruxo, interpretado pelo Sr. Sidónio, libertava o espírito ruim do corpo do paciente. A minha deixa era um pontapé dado pelo velho Sidónio por baixo da mesa, lembrando-me ser a altura de entrar em acção. Esbaforido, atravessava o palco de um lado ao outro aos saltos até sair pela porta da direita baixa.
Aqueles cinco segundos de representação valiam bem, nessa altura, a hora e meia de paciente espera em posição fetal debaixo de uma mesa de três pés.
(Continua)
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RESPOSTA 10 : António Pedro
PERGUNTA 11: A porta que se vê na foto do meio dava entrada para onde ?