O alquimista

NEM TRANSMUTAÇÃO DE METAIS NEM ELIXIR DA LONGA VIDA - A PEDRA FILOSOFAL AO PODER

sexta-feira, março 30, 2007

MEMÓRIAS DE CROCODILO


CAPÍTULO 8


Face à sua condição de escola formadora de futuros professores, por diversas vezes as alunas estagiárias assistiam às nossas aulas sentadas num banco corrido existente no fundo da sala com o intuito de tornarem seus os conhecimentos que eram pertença da D. Matilde bem assim como o de manipular as artes de bem cavalgar a futura profissão servindo-se para tal das humildes crianças que nós éramos.


Ao toque da campainha ouvíamos a sacramental frase proferida pela professora: “As meninas (as estagiárias) podem sair”. De seguida saíamos nós, se porventura não houvesse algum trabalho em atraso que era certo nos levaria a ficar o tempo necessário para o terminar sem qualquer arrufo da nossa parte, que esses guardados ficariam para muitos anos depois quando já não estivéssemos em idade de os ter e fossem por outras gerações apropriados que tanto lhes seria permitido pelas novas pedagogias.


Após a saída iniciava-se uma disputada corrida rua acima até à curva com a Rua da Alegria cuja meta era cortada com a alegria dos verdadeiros campeões. Não vou aqui dizer que era eu quem colhia sempre os louros imaginários de uma vitória real, tida como a façanha do dia, que o era sem sombra de dúvida para nós, pois tal afirmação poderia ser tomada como presunçosa, desvanecida ou vaidosa senão mesmo mentirosa, epítetos que estariam para este vosso humilde contador de estórias como o dia está para a noite ou, para ser mais esclarecedor, como o azeite está para a água. Por isso direi apenas que … ganhava muitas vezes, sem receio de prejuízo para a futura carreira desportiva, que entretanto já foi feita, causado por este preciosismo diletante.

Aconteceu um dia eu ter chegado ao cimo da rua com tamanho avanço que olhando para trás e ainda mal refeito do esforço, não vislumbrei sequer o segundo classificado. Com a excitação de vitória tão retumbante o coração voltou a acelerar e mais acelerado ficou quando vi um dos meus colegas, o Vale, junto ao portão de saída gritando: “A D. Matilde chamou-te.” – “Porquê?” perguntei eu. – “Ela mandou sair as meninas, não foi os meninos”, respondeu ele. Fiz a minha mais penosa entrada naquele velho portão enferrujado. Ao chegar à porta da sala olhei de imediato para cima da secretária da D. Matilde. A régua não estava lá…

Acabada a Escola Primária, fui durante muitos sábados, a pé, desde a padaria a casa da D. Matilde levar algumas dúzias de pão e regueifas ainda quentes. Suprema humilhação. Mas para os meus pais, as explicações de graça que deu aos alunos em sua casa alguns meses antes do exame da quarta classe, em que me incluía, justificavam isso e muito mais. Por isso lhe ofereceram, também, um sofá para o quarto…

(continua)

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RESPOSTA 7: ESMAE (Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo) e Teatro Helena Sá e Costa.

PERGUNTA 8: Não tendo eu reprovado nenhum ano, nascido em Dezembro e tendo entrado para a primeira classe com 6 anos, quando acabei a instrução primária há quantos anos tinha sido construída a Escola Normal ?

quinta-feira, março 29, 2007


O fascínio exercido pelo falo não diz respeito apenas ao poder. É uma fonte luminosa de mistério.


O orgão é relativamente pequeno mas o mito é grande, e é o mito que é tão importante para a busca da imaginação e da alma por significados.


Curiosamente, os antigos romanos usavam a palavra "fascinatione" para se referirem a um amuleto em forma de pénis usado ao redor do pescoço para espantar o mau-olhado.
THOMAS MOORE

PRAIA DA FALÉSIA

Nenhum desejo precisa ser reprimido, mas sim alimentado, levado em conta e discutido.
Quando o eros não é um inimigo, o moralismo pode transformar-se em moralidade

THOMAS MOORE

PRAIA DA FALÉSIA

O futuro já não é o que era...


FUTUROSCOPE (Poitiers -1993)

quarta-feira, março 28, 2007


MEMÓRIAS DE CROCODILO

CAPÍTULO 7

É admissível, atrever-me-ia mesmo a dizer, acho altamente provável, que o único dos cinco nomes que atrás citei desconhecido dos meus leitores, contanto que ainda os que tenho neste momento (estejam eles a ler-me ou não concomitantemente, e mesmo que estejam não se lhes transmutarão graciosamente os conhecimentos), seja o de Matilde. O mesmo não direi do seu mester que, é bom de ver, todos perceberam que era o de professora.


Assim foi durante quatro anos, não se lhe tendo nunca durante esse tempo diminuído as rugas ou amaciado a pele e o pêlo do buço e muito menos o temperamento. De pêlo na venta poderia ser qualificada já que assumia na íntegra, como vimos, os processos pedagógicos vigentes na época, que, para além daquele atrás exemplificado, contemplavam, ainda, o uso da régua que servia não só para a ajudar a endireitar as linhas curvas como para nos fazer andar aos esses que é esta a letra que geralmente invocamos quando queremos dizer que estamos atrapalhados.


Recordo-me ainda hoje desse pedaço de madeira, certamente extraído do acapu, da itaúba ou do jacarandá, todas elas árvores ancestrais com enorme resistência mecânica, que colocava não raras vezes à prova a nossa infantil resistência. Tinha em ambos os lados umas manchas avermelhadas, provavelmente veios de madeira vistos a esta distância, mas que ao perto me faziam pensar em resíduos de sangue proveniente das suas vítimas, deixados ali propositadamente para nossa inquietação. Repousava invariavelmente no topo da secretária, fora das horas de serviço.


Certo dia, o Abreu, de lugar cativo na quarta fila com vistas para a rua, chamado ao mapa para apontar os afluentes do Douro, hesitava entre o esticar do indicador direito directo às minúsculas linhas azuis cujo nome procurava a custo decifrar ou proteger com a outra mão as pernas já de si vermelhas das reguadas da D. Matilde cada vez que metia o pé na água. Noutro, o Dias, vizinho do lado do Abreu, dançava ao ritmo da régua sempre que descarrilava em cada apeadeiro da Linha do Tua ou se perdia nas encostas abruptas da Cordilheira Central.

(CONTINUA)
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RESPOSTA 6 : Renato

PERGUNTA 7 : O que é que se encontra agora no edifício da ex-Escola Normal ?

terça-feira, março 27, 2007

ANTES E DEPOIS


PRÇA DE D.PEDRO - 1940


PRAÇA DA LIBERDADE - 2007


Melhor que amaldiçoar a escuridão, é acender uma vela.


ESTÁTUA DE D.PEDRO IV - PRAÇA DA LIBERDADE

segunda-feira, março 26, 2007


MEMÓRIAS DE CROCODILO
CAPÍTULO 6

A outra escola, a oficial, que me acolheu durante toda a instrução primária, (penso que lhe chamavam assim não por ser uma instrução básica no sentido militar do termo mas por nela estar o primado da educação, tal como hoje sendo básica no sentido pedagógico se esforça por ser também primária no sentido das que estão em primeiro lugar) ficava na esquina da Rua da Alegria com a Rua da Escola Normal, embora a esta houvesse, também, quem lhe chamasse rampa, por motivos óbvios. Escola Normal se chamava mas fora antes do Magistério Primário e ali estava desde mil oitocentos e oitenta e cinco, mandada construir pela Monarquia.


Às nove da manhã perfilávamo-nos no átrio com aquelas pastas de cartão de tiras de cabedal e cantávamos o Hino. Na sala, a trilogia Cristo, Salazar e Craveiro Lopes (mais tarde substituído por Américo Tomás) escoltava a D. Matilde na tutelar missão de nos guiar até às portas do Liceu, (os mais disponíveis para seguir estudos, fosse por excesso de massa no cérebro ou na carteira) ou da Escola Técnica (os menos ambiciosos por falta dela em algum dos locais ou em ambos).

As carteiras, as outras, encontravam-se alinhadas em quatro pares de colunas, sendo que na primeira estavam os melhores alunos e na quarta os mais fracos. Dentro de cada coluna os melhores estavam à frente e os menos bons atrás. Às segundas-feiras, quinzenalmente, era feita a actualização (upgrade lhe chamaríamos hoje) dos lugares em face das nossas flutuações cognitivas, o que tornava esses dias particularmente inquietantes. Quanto a mim, andei sempre pela primeira coluna, mais à frente ou mais atrás, tendo passado, inclusivé, algumas semanas no par de carteiras da frente, o que significaria por exemplo, em termos velocipédicos, que, embora não viesse a ganhar a etapa, tinha andado, pelo menos, algum tempo em fuga. Reorganizado o xadrês da equipa, voltavamos às voltas dos ditados e dos problemas, estes últimos, para mim, um verdadeiro problema.


Aflora-me agora mesmo à lembrança uma manhã em que me recusava sair da cama dizendo à minha mãe que me doía muito a cabeça e que estava com febre. Não me sendo favorável o teste do mercúrio, logo ali a minha mãe decidiu levar-me à escola e fazer a entrega em mão à D. Matilde. Posta ao corrente das minhas maleitas, esta sentenciou: “- A doença do Agostinho sei eu qual é, são os problemas”. Dá-me duas estaladas e manda-me para o lugar. Já não me bastava ser tratado por aquele nome e ainda por cima levava na cara…

(continua...)

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RESPOSTA 5: Nº 1

PERGUNTA 6 : Como se chamava o meu melhor amigo na Escola Primária ?

a) Sérgio

b) Renato

c) Vale

d) Abreu

domingo, março 25, 2007

Por que é que se demora mais tempo a ir a um sítio do que a voltar ?

MULHERES DO SABUGAL

Memória

Hoje de madrugada tive uma ideia genial, mas, entretanto, esqueci-me dela. Só queria que soubessem que a teria colocado neste espaço...

sexta-feira, março 23, 2007

À beira do rio nascem violetas ao comprido...

Mas não aqui. Aqui nascem detritos e a miséria cobre os homens duma lepra espessa que os deforma. Enxames de criançada procuram horizontes e aventura no rio podre, estagnado ao sol como um bicho morto.

Ouvem-se as vendedeiras a tentar a freguesia:
- Boa laranja! Boa laranja!

- Chicharro vivinho!
- Marmotinha, marmotinha fresca!



E as vozes misturam-se ao buzinar, ao rodado gigante das camionetas e dos guindastes, que nos Cais da Estiva carregam o Cecil Grande, com o barulho das ruas, os pregões dos vendedores ambulantes, um ou outro grito, "Ó Chico! Ó Laurinda!", saídos do Botequim da Ribeira, que serve canecas de café matinal, ou da Porta Larga - vinhos e petiscos - onde se mata o bicho.


Entre as lojas das adelas, as tabernas, as oficinas, as barbearias de opereta trágica, forradas a papel de seda, há hortos de prostituição. Mas também aqui não se desiste do sonho. Nenhum perfume de manjerico abafa a poeira picante da sacaria dos armazéns ou do cheiro a mijo de cães vadios, todavia nas janelas florescem vasos e gaiolas. (...)

LUÍSA DACOSTA (N. 1927 - Porto)

quinta-feira, março 22, 2007

MEMÓRIAS DE CROCODILO


CAPÍTULO 5

Felizmente que não sou do tempo dos infantários mas da infância. Fica por vezes a dúvida se as recordações dos acontecimentos são realmente nossas ou se deles tivemos notícia por entrepostas pessoas que no-las contaram mais tarde como tendo sido nós os seus actores. Não é o caso da minha primeira escola, que hoje se chamaria jardim infantil ou pré-primária, vocábulos que existindo já nesse tempo e em outros ainda mais recuados como no dos romanos a fazer fé nos livros de linguística, apenas faziam sentido quando escritos isoladamente e não emparelhados ou unidos pelo hífen.


A sua memória, e aqui a conotação epitáfia faria todo o sentido, é realmente minha. Ficava paredes meias, para ser mais preciso a muros meias com a casa dos meus dois tios, irmãos do meu pai. O Manuel, o patriarca, que era sócio de uma fábrica de sedas na Circunvalação, pai aos dezoito anos de uma filha que só acolheria com a mesma idade, solteiro mas praticante com a ajuda das distribuidoras de pão ao domicílio, vulgo padeiras da Parisiense de que os três irmãos eram sócios. O do meio, o Agostinho, que por ser o mais gordo era também o mais bonacheirão, igualmente solteiro e praticante, à frente da padaria com o António, o mais novo dos três, igualmente praticante mas com a minha mãe, que praticava costura com a minha avó.


Na casa dos meus tios passava grandes temporadas, provavelmente devido às crises nervosas frequentes de que padecia o meu progenitor, tratadas ora a comprimidos ora a benzeduras e defumadouros, atribuídas, viria eu a saber mais tarde, a um negócio falhado com um irmão da minha mãe e meu tio, portanto. Estará certamente o leitor a pensar que bastaria ao narrador ter escrito apenas uma única palavra, cunhado, e o parentesco logo ali ficaria esclarecido. Visão economicista a sua, que não a minha, pois, nesta fase ainda fetal, eu diria mesmo zigótica da narrativa, não tenho como certo que possua matéria prima suficiente que permita alimentar esta criança até final. Mas prossigamos.


O dito muro de que falava atrás separava o que na altura era vulgar nas habitações de pequena e média burguesia, ou seja, os quintais existentes nas traseiras onde cresciam as árvores de fruto nos canteiros, as galinhas na capoeira e os porcos no curral. Era por cima dele, o muro, que me passava a Gia (diminutivo de Luzia, antiga padeira promovida a empregada da casa e do meu tio nas horas de vazio), ou a minha prima e madrinha Lurdes (Lourdes como gostava de escrever, a dita filha do meu tio Manuel), de um para o outro lado, da casa para a escola e da escola para casa conforme crescia ou definhava em mim a vontade de brincar.


Porque era essa a vontade que me impelia a saltar o muro ao encontro daqueles outros meninos de bata branca que na casa o único menino era eu e único continuaria. Esta casa aparentada de escola era gerida pela D. Laurinha, a professora, por uma irmã da qual esqueci o nome pelo menos por agora que o mais certo é ele surgir quando desta escola já não estiver falando, e por duas filhas da primeira em part-time que este mester não era futuro garantido para duas jovens cujo pai partira para o Brasil e dele nunca mais ouviriam falar. A mais velha, a Livinhas, diminutivo de Olívia, viria mais tarde a dar-me explicações e poema à canção Sol de Inverno com que a Simone de Oliveira ganhou um Festival da Canção. A mais nova, a Dódó, diminutivo de Maria das Dores, era enfermeira.

E havia ainda a avó, que nada tinha a ver com as lides pedagógicas mas sim com as da casa, em especial as da cozinha e talvez por isso merecesse a minha preferência, que ía direitinha para os rissóis e os bolinhos de bacalhau, coisas que sabiam muito melhor quando saboreadas fora de casa.
(CONTINUA)
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PERGUNTA 5 : Qual dos algarismos assinala o Alquimistinha na última foto ?
RESPOSTA 4 : Armelindo Bentes

quarta-feira, março 21, 2007

MEMÓRIAS DE CROCODILO


CAPÍTULO 4


Tinha eu quatro anos quando o meu pai me inscreveu na Ginástica do Futebol Clube do Porto por sugestão do médico que via na prática desportiva, e como via longe esse médico, uma complementar terapia para a minha bronquite asmática que por essas alturas começava a dar sinais de si e que me acompanharia até perto dos quinze anos.
Esta decisão terá determinado, sem que ninguém o suspeitasse, o médico, os meus pais e muito menos eu, o meu trajecto profissional.
ALAMEDA DAS FONTAINHAS

Ficava o ginásio na Rua de Alexandre Herculano, que ía da Praça da Batalha até às Fontaínhas onde, na noite de vinte e três para vinte e quatro de Junho, o tripeiro de gema ía ver a imagem de S. João a baptizar Cristo na cascata gigante instalada no início da Alameda, comer as farturas e as sardinhas assadas com um copo de verde, dar um pé de dança e andar nos “carrinhos de choque” ou no “carrocel”.

Morando eu, já nessa altura, na Rua da Alegria perto da fábrica de açúcar onde depois se construiu o Hotel Castor, a viagem até ao Ginásio era feita de Eléctrico. Saía no Jardim de S. Lázaro, onde fazia zona. Atravessava-o a correr sem sequer imaginar que ali havido sido em tempos o Hospital dos Lázaros, dado ao recolhimento dos leprosos da cidade e dos arredores, transformado em Jardim por ordem de D. Pedro IV em meados do século dezanove. Daqui até ao Ginásio tinha de andar, ainda, uns bons trezentos metros.

JARDIM DE S. LÁZARO

No primeiro e segundo ano fazia a viagem acompanhado ora do meu pai, ora da minha mãe. Mas, lembro-me de uma vez, teria os meus oito anos e deslocando-me já sozinho, ter resolvido encurtar a distância do percurso que era feito a pé metendo por uma travessa esconsa de habitações degradadas, frequentada por gente de condição duvidosa, penso eu agora, talvez chulos ou prostitutas, arrumadores é que não pois não os havia ainda nessa altura por serem muito os lugares e poucos os automóveis. Passou a ser esse o meu trajecto normal até ao dia em que, por azar, na minha óptica, premonição, mão de Deus ou do anjo da guarda na dos meus pais, ou ainda obra do acaso numa avaliação imparcial, um dos meus progenitores, penso que a minha mãe, me resolveu acompanhar. Orgulhoso da minha descoberta, decidi ensinar-lhe o novo caminho mas qual não foi o meu espanto ao ver o seu ar igualmente espantado, eu diria mesmo, angustiado, quando se apercebeu do local perigosíssimo por onde eu encaminhava os meus passos rumo à Ginástica. Ali mesmo ficou a promessa e a proibição de voltar a calcorrear tão tortuosos caminhos.

ALQUIMISTINHA RECEBENDO A SUA 1ª MEDALHA

Neste Ginásio viria, anos mais tarde, a dar aulas de Ginástica ao serviço do F.C.P., subindo as mesmas escadas estreitas e íngremes até ao primeiro andar, tomando banho nos mesmos balneários, trepando aos mesmos espaldares e pisando com as minhas Reebok as mesmas tábuas que em dezassete de Outubro de mil novecentos e cinquenta e nove (tinha eu sete anos) pisara com uns sapatos de camurça, calções, colete de bico e laço de pontas para receber a minha primeira medalha desportiva das mãos do professor Armelindo Bentes.

EX-GINÁSIO DO F.C.P.

Um outro ilustre professor que aqui tive, Noronha Feio, que viria a ser depois do vinte e cinco de Abril (lembram-se?) Director Geral dos Desportos e que já nessa altura aplicava conceitos de motricidade só muito mais tarde adoptados nas escolas, foi um dos responsáveis, (para além da bronquite como já se viu) através do prazer que conseguia incutir nos seus alunos da prática desportiva, pela minha futura carreira profissional.

(continua)

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RESPOSTA 3: 3 Anos

PERGUNTA 4 : Como se chama o professor que está a cumprimentar o Alquimistinha ?

terça-feira, março 20, 2007

MEMÓRIAS DE CROCODILO CAPÍTULO 3 :


Defronte da casa existia, ainda hoje lá está, uma cabine de alta tensão para a qual os meus pais me alertavam dizendo que matava não só as pessoas mais descuidadas que por ali passassem como até seria capaz de matar um boi, afirmação não digo exagerada quanto aos poderes dessa mesma central no que ao animal diz respeito, mas certamente descabida, sabendo-se como se sabe que na década de cinquenta o transporte bovino tinha sido há muito tempo banido das artérias da cidade.



A única explicação para tão bizarra comparação encontro-a em alguma nostalgia mal disfarçada da proveniência rural dos meus pais. Calculo, hoje, como lhes teria sido penoso, se na altura lhes tivesse pedido para fazerem prova de semelhante afirmação… Pelo sim pelo não, durante os anos que por ali passei, fazia-o sempre pelo passeio do lado oposto.


Mais acima, logo a seguir à escola Normal, estava o Jardim de Moreira da Silva, o primeiro gerente da Cooperativa dos Pedreiros, um exemplo de associativismo da primeira década do século vinte, fundada por dez operários especializados que trabalhavam na construção da Estação de S. Bento e que, para tal, haviam dado uma entrada de vinte escudos.

Era um modelo de importação inglesa, do tipo dos jardins de quarteirão com um canteiro central circular e dois laterais rectangulares. No topo voltado a norte havia uma fonte de granito com uma mulher segurando uma ânfora de onde jorrava a água, e à frente um enorme banco, também em granito, onde encetei, enfiado no meu pequeno sobretudo amarelo de veludos azuis na gola e nas mangas, as minhas primeiras acrobacias sob o olhar vigilante dos meus pais. O meu primeiro triciclo deu aqui as primeiras voltas por entres os carvalhos e os bancos de madeira pintados de vermelho.


Quando entrei para a escola primária, os meus pais proibiram-me definitivamente de atravessar este jardim de tão boas memórias, a pretexto de que ele acolhia jovens e adultos pouco recomendáveis, e eu, obediente como todos nós éramos, os de boas famílias, naquela época até aos vinte e um anos, só depois dessa idade me lembro de lá ter passado.

Mas passado, também, tinha o tempo que dele tivera saudades.
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PERGUNTA 3: Quantos anos tinha o ALQUIMISTINHA das fotos ?

RESPOSTA 2 : A Alicinha é a que está sentada ao meu lado.

Já viram alguma mosca a voar dentro de um avião?

Se não, da próxima vez que virem perguntem-lhe se sabe a que velocidade vai a voar.

Se ela não souber, digam-lhe que para calcular a sua velocidade em relação ao chão só tem de somar a sua velocidade de voo à velocidade do avião.

E vão ver que ela não vai acreditar que está a voar a mais de oitocentos quilómetros por hora.

À prova de qualquer língua de sapo...

- O que faz um Alentejano em cima de um saco de arroz ?

- Arroz malandro.

domingo, março 18, 2007

MEMÓRIAS DE CROCODILO


CAPÍTULO 2 :


As primeiras memórias de alguém fora da família vão para duas raparigas das quais já não sei o nome mas que suponho eram irmãs. Viviam na casa ao lado e tratavam-me como um brinquedo embora não me recorde se alguma vez me quiseram ver por dentro. Uma outra, a Alicinha, foi promovida por ambas as famílias a minha primeira namorada, que, como é usual nestas circunstâncias em que os pais tomam para si as responsabilidades que aos seus rebentos dizem respeito, nunca o viria a ser.


AS PRIMEIRAS AMIGAS

Mas como é facilmente imaginável, as minhas preocupações, se é que já as havia nesse tempo e, menos provável ainda na cabeça de uma criança de três ou quatro anos, limitavam-se, no que à satisfação dos prazeres dizia respeito a coisas tão simples e frugais como o saborear de um gelado.

RUA DA ALEGRIA (1954)

O homem dos gelados subia a rua com o seu carrinho de mão pintado de branco tendo em cima duas tampas cónicas de um prateado reluzente que o bater do sol não permitia disfarçar. Lembro-me que no verão passava as tardes à janela de garganta seca e olhos vidrados, aguardando a chegada deste homem também ele vestido de branco. Mal o via ao longe, corria a chamar a minha mãe e, se fosse dia de sorte, descia as escadas a correr, ainda hoje penso se não seria mais rápido pela cesta, com os quatro tostões numa mão e o corrimão na outra só parando junto do carrinho que entretanto já havia estacionado à porta do cliente habitual.

RUA DA ALEGRIA (no mesmo local 2007)

Foram assim semanas, meses, alguns anos, até que um dia fez-se noite e um homem dos gelados não passou. E outro, e mais outro ainda. Arrefeceu-me a espera. Terá mudado de vida, pensei, se é que já pensava na altura, ou ter-se-à mudado desta vida, pensei mais tarde?

RUA DA ALEGRIA (2007)

(continua)

RESPOSTA 1 : c) 3,800kG

PERGUNTA 2: Qual das 3 amigas da primeira foto é a Alicinha?

sábado, março 17, 2007

MEMÓRIAS DE CROCODILO







CAPÍTULO 1:
MORRO DA SÉ
No alto do morro da Sé, onde oitocentos e trinta anos antes D. Teresa, vinda de Guimarães, tinha entregue ao bispo D. Hugo a carta de doação de todos os direitos sobre este antiquíssimo e granítico Porto, a minha mãe Celeste, vinda do Marco de Canavezes, entregava ao meu pai António este único infante a que viria a dar o mesmo nome, depois de ter entrado pelo número dezanove da Travessa de Cimo de Vila no Hospital de Nossa Senhora do Terço e Caridade, o qual havia sido, também ele, doado à Irmandade do Terço em mil setecentos e cinquenta e nove por dois piedosos irmãos de apelido Viterbo de Souza, em honra da Virgem Maria e Socorro dos Pobres Enfermos. Era aquela uma rua estreita e íngreme, de casas altas e beirais salientes, quase só com tabernas escuras, casas de pasto e de pernoita. Numa destas casas vivera Camilo em uma das suas inúmeras passagens pelo Porto, durante a qual escreveu “Horas de Paz”.
HOSPITAL DO TERÇO (Travessa de Cimo de Vila)
Alguns metros mais abaixo, junto à Ribeira, em mil trezentos e noventa e quatro numa quarta-feira de cinzas (que se considerava dia pouco propício ao nascimento de uma criança) havia, igualmente, nascido um outro Infante mais conhecido, que aos Portugueses e ao mundo, novos mundos daria a conhecer.
Do nascimento do primeiro não existe relato sucinto ou alargado nos arquivos de jornais e muito menos nos de televisão (que esta seis anos ainda levaria a nascer), quando muito nos registos da Junta de Freguesia, enquanto do segundo não há livro de Instrução Primária, Manual de História ou até Enciclopédia que a ele se não refira. As malhas que a História tece…
CASA ONDE TERÁ NASCIDO O INFANTE D. HENRIQUE ( Posteriormente Alfândega Régia, hoje Museu )

Os primeiros meses vivi-os numa casa de primeiro andar com aquecimento a forno de padaria pertença da família e que ocupava o rez-do-chão numa rua que começara por se chamar da Duquesa de Bragança, dos Heróis de Chaves a seguir e hoje D. João IV, um dos locais mais altos da cidade e seu miradouro, uma zona habitacional que remonta aos tempos dos Padres e Frades da Congregação de S. Filipe de Néry, que ali possuíam enormes quintas.
Depressa nos mudamos, os meus pais e eu, para uma outra bem perto, na Rua da Alegria, defronte de uma Escola Normal, não só porque o era mas porque também lá se formavam os futuros professores primários e que, sem que eu o suspeitasse, viria a ser, como era normal já que estávamos eu e ela, a escola, frente a frente eu de um e ela de outro lado da rua, a minha primeira escola primária.

CASA RUA D. JOÃO IV

Era uma daquelas casas com uma única porta de entrada mas que no seu interior albergava três famílias diferentes, cada uma em seu andar ligados por vários lanços de escadas em madeira. Nós morávamos no último, razão pela qual a minha mãe usava uma cesta amarrada a uma corda que servia, ora para içar as compras, ora para descer o respectivo pagamento, não sei se por esta ordem se pela inversa, embora me incline mais pela primeira pois que a moda do pré-pagamento teria de esperar ainda umas boas dezenas de anos.

(Continua)

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CONCURSO

E agora, procurando, de algum modo, compensar todos aqueles que conseguirem ler cada capítulo até final, farei uma pergunta de resposta múltipla após cada texto, sendo que, no fim desta publicação virtual, elegeremos o vencedor a quem será entregue um prémio a condizer. Como vêm estou a ser bastante original...

A resposta correcta será publicada, sempre, no capítulo seguinte.

1. O autor de "Memórias de Crocodilo" nasceu:

a) Com 6,700kg

b) Prematuro

c) Com 3,800kg

d) 1,200kg

sexta-feira, março 16, 2007

MEMÓRIAS DE CROCODILO

Disse há tempos que não levava demasiado a sério os números das audiências ou os estudos de opinião, tendo na altura explicado as razões desta minha atitude.

Longe estava eu de imaginar que, passado pouco tempo teria de, qual político tarimbado, mudar radicalmente de opinião, mantendo aparentemente inalterado o discurso.

É que decidi publicar aqui, em primeiríssima mão, a esquerda penso, alguns excertos daquilo a que, pretenciosamente, resolvi chamar de “MEMÓRIAS DE CROCODILO”, que é nem mais nem menos do que uma tentativa, falhada eu sei, de transpor para o papiro grandes lembranças da minha pequena infância.

Naturalmente que, após as primeiras leituras, poucos de vós regressarão a este, até agora, acolhedor recanto.

E a contradição surge precisamente neste ponto. É que vou mesmo ter muitas saudades vossas...

Tenho perfeita consciência disso, é um risco (mal) calculado, mas a minha necessidade de catarse ultrapassa-me pela direita e a alta velocidade em direcção ao abismo…
Até sempre!



MEMÓRIAS DE CROCODILO


INTRODUÇÃO:

Os ramos já se vergaram ao peso dos frutos maduros. O material genético já cumpriu a sua missão. Faltava o livro para completar a troika de empreendimentos que nos validam o passaporte.

À margem dos lobbies instituídos, não engajado a qualquer corrente literária, sem amigos nas redacções ou nos fóruns das televisões, coloco-o nas vossas mãos, preso à corda de Egas Moniz ou ao machado de Antonieta mas nunca amolecido pela água de Pilatos.

Nele ireis encontrar pequenas histórias, que muitas tem uma infância, feitas de pequenos nadas mas que juntas deram tudo, com a certeza de ter lavado os olhos entre cada olhar.

Tomai e lede todos, que este é o fruto do meu saber, derramado para vós em nome da amizade, que só apuramos com a idade.

Que a boa leitura esteja convosco.

(Segue nos próximos capítulos…)